PROCESSO DE EXCLUSÃO NO SISTEMA OAB:
A interpretação inconstitucional do artigo
38, inciso I do EOAB
ALEXANDRE TABORDA RIBAS[1]
I. INTRODUÇÃO
1.1.
O artigo 38, inciso I do
EAOB dispõe que o advogado que sofrer três sanções disciplinares, cuja pena seja
de suspensão, deverá ser excluído dos quadros da OAB.
1.2.
Ocorre que a meu ver, há
uma omissão no referido artigo que tem ocasionado decisões divergentes nos
processos disciplinares de Exclusão perante a OAB, uma vez que a lei não
estipulou um prazo prescricional para que as suspensões sejam consideradas
aptas a ensejar a Exclusão.
1.3.
Exemplificando o caso,
eventualmente um advogado que tenha sofrido duas (02) representações
disciplinares no ano de 2000 em que lhe foram aplicadas penas de suspensão, na
atual interpretação dada pela OAB, se referido advogado vier a sofrer uma outra
pena de suspensão no ano de 2022, será excluído, utilizando-se como computo as
suspensões do ano de 2000.
1.4.
Com o devido respeito ao
entendimento majoritário, tal interpretação impõe uma pena de caráter perpétuo,
haja vista que os erros cometidos preteritamente pelo advogado continuarão a
produzir efeito a longo prazo e mais, servirão como base para lhe aplicar a
pena mais grave, qual seja, a Exclusão.
1.5.
O presente estudo tem a
intenção de trazer elementos para demonstrar que o advogado, em que pese, tenha
a obrigação de manter sua conduta ilibada pelo múnus público que exerce - não
pode ter apenas o número matemático de errar 03 vezes em toda sua carreira.
1.6.
O profissional advogado
antes de tudo é ser humano, porquanto, seres suscetíveis a erros. Aliás,
cita-se a célere frase do historiador e filósofo Plutarco – “O ser humano
não pode deixar de cometer erros: é com os erros que os homens de bom senso
aprendem a sabedoria do futuro".
1.7.
O fato de o advogado ter
cometido erros profissionais anteriormente não tem o condão de lhe impor
inaptidão profissional, sobretudo, quando os erros são extremamente pretéritos
e possivelmente lhe geraram sabedoria.
1.8.
Entendo aqui que o
legislador, ao redigir o artigo 38, inciso I, quis punir o advogado que comete
erros sucessivos em curto prazo de tempo, o que per si, poderia mostrar
eventual inaptidão.
1.9.
Dessa forma, como o
sistema jurídico do nosso Estado Democrático é abrangente e norteado pela
Constituição Federal, não é possível levar “a ferro e fogo” a disposição do
artigo em discussão, sem a observância dos demais regramentos e aplicações em
casos análogos, sobretudo, as garantias constitucionais inerentes a todos os
cidadãos, inclusive aos advogados.
II.
Da ilegalidade da interpretação dada ao artigo 38, inciso I do EOAB
2.1.
O entendimento
majoritário em relação ao artigo em discussão é o seguinte:
Recurso n. 16.0000.2021.000151-0/SCA-STU.
Recorrente: A.M. (Defensor dativo: Alexandre Taborda Ribas OAB/PR 70.253).
Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Paraná. Relator: Conselheiro Federal Paulo
Cesar Salomão Filho (RJ). EMENTA N. 081/2022/SCA-STU. Recurso ao Conselho
Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão
não unânime do Conselho Seccional da OAB/Paraná. Processo disciplinar de
exclusão de advogado dos quadros da OAB, em razão de três condenações
anteriores, à sanção de suspensão, transitadas em julgado. Artigo 38, inciso I,
do Estatuto da Advocacia e da OAB. Período depurador, previsto no artigo 64 do
Código Penal. Inaplicabilidade ao regime disciplinar da OAB. Inexistência da
chamada reabilitação de ofício, segundo a qual não mais prevalece a condenação
anterior após decorrido o prazo de 05 (cinco) anos do cumprimento ou extinção
da sanção imposta. Precedentes. A exigência dos precedentes desta Segunda
Câmara tem sido no sentido de que este processo deve ser autônomo, decorrendo,
sob pena de nulidade, que desde a primeira notificação ao advogado deve haver a
capitulação jurídica dos fatos para que tenha a oportunidade de se defender da
possibilidade de vir a ser excluído dos quadros da Ordem, não se exigindo a
comprovação de uma quarta penalidade para a aplicação da exclusão. Precedente
firmado pelo Pleno da Segunda Câmara, em matéria afeta a julgamento. Recurso
não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em
referência, acordam os membros da Segunda Turma da Segunda Câmara do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum
exigido no art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento,
nos termos do voto do Relator. Brasília, 20 de setembro de 2022. Ezelaide Viegas da Costa Almeida, Presidente em exercício.
Paulo Cesar Salomão Filho, Relator. (DEOAB, a. 4, n. 949, 29.09.2022, p. 26)
2.2.
O primeiro ponto a ser
abordado, é a interpretação literal do artigo, uma vez que na redação já é
possível extrair que a Exclusão não é, necessariamente, um ato obrigatório e
automático, uma vez que o termo utilizado no dispositivo legal é “aplicável”
e não o termo “obrigatório”. Analisando o significado da palavra “aplicável” e
seus sinônimos, temos o seguinte:
a·pli·cá·vel
Que pode ser aplicado; aplicativo.
Que se pode aplicar numa situação:
1 cabível, admissível, passável, aceitável, extensível, extensivo, apropriado, adequado, oportuno, conveniente, relevante.
2.3.
Verifica-se na etimologia
da palavra que o termo aplicável é uma possibilidade (que pode ser
aplicado), ou seja, não tem cunho obrigatório. Logo, provavelmente o
legislador entendeu que cada caso deveria ser analisado para eventual Exclusão
e não a determinante matemática que se vem aplicando, bastando haver 3 (três)
suspensões, sem controle dos prazos prescricionais, para automaticamente excluir
o advogado.
2.4.
Da mesma forma, quando o
legislador determinou a necessidade de manifestação de 2/3 da Seccional para a
Exclusão, o fez com o intuito de que cada processo fosse analisado
profundamente, verificando eventuais exceções e a análise das garantias
constitucionais e não apenas uma “determinante matemática”.
2.5.
Até porque os sinônimos
de “aplicável” são “oportuno” e “conveniente”,
termos que pertencem ao princípio da discricionariedade, o qual
nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello significa “a margem de
liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever
de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto,
segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos
consagrados no sistema legal”[2].
2.6.
Dessa forma, seria
incoerente submeter o advogado ao julgamento pelo colegiado, se a aplicação da
Exclusão fosse meramente matemática, poderia ser feita imediatamente pela
Secretaria da OAB. Assim sendo, a ideia de submeter a um julgamento colegiado é
para que haja a garantia ao contraditório e à ampla defesa num processo em que
a pena é extremamente grave, qual seja a Exclusão dos Quadros da OAB.
2.7.
Outro ponto complementar
é que nosso sistema jurídico não comporta a análise de determinado caso
concreto com apenas aplicação de uma lei ou regulamento, mas sim com a
observância de todas as normativas necessárias e principalmente com análise das
garantias fundamentais presentes na Constituição Federal.
2.8.
Isto é, as normas
traçadas na legislação do órgão de classe (Estatuto da OAB) não podem ser
exclusivas na aplicação e interpretação do caso concreto. Nenhuma norma de um
Estado Democrático é aplicada sem a devida analogia com as demais vertentes
legais, jurisprudenciais e doutrinárias, até porque são as interpretações
sistemáticas que dão o condão de segurança jurídica de um Estado de Direito.
2.9.
Portanto, o artigo 38 do
Estatuto da OAB e o método de sua aplicação violam brutalmente o sistema
jurídico atual, pois aplica-se uma pena máxima ao advogado (Exclusão),
utilizando-se de condenações anteriores já cumpridas e prescritas sob o
fundamento da reincidência (período depurador), ainda que seja matéria de ordem
penal.
2.10.
Frisa-se a disposição da
lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, especialmente em seu artigo
4º:
Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito.
2.11.
Não há como se furtar
dessa analogia, sob a fundamentação de que os processos disciplinares da OAB
são administrativos e vigiados por lei própria. Não há lei e
interpretação em nosso ordenamento jurídico que possa violar, rebater,
destituir ou rasgar princípios defendidos pela Constituição.
2.12.
O fato de utilizar-se de
penas de suspensão pretéritas, que não ocorreram dentro do período de 05 anos
(período depurador) para aplicar a pena de Exclusão é sim uma violação à
Constituição Federal, pois se impõe uma situação de perpetuidade de pena,
sendo um ato ilegal, injusto e inconstitucional mal revestido de legitimidade.
2.13.
Essa interpretação similar à reincidência que
se tenta impor no processo de Exclusão, notoriamente utiliza-se apenas dos conceitos
prejudiciais do instituto, ao passo que os benefícios da
reincidência não são aplicados.
2.14.
Ora! O artigo 38, inciso
I da Lei 8.906/94 é omisso quanto ao período em que as penas de suspensão podem
ser utilizadas para a Exclusão, e, nada obstante, no mínimo, por analogia
deveria seguir a interpretação do artigo 43 da mesma lei, que assim dispõe:
Art.
43. A pretensão à punibilidade das infrações disciplinares prescreve em cinco
anos, contados da data da constatação oficial do fato.
2.15.
Entretanto, em
notória interpretação prejudicial não majoritária, a OAB reconhece que
para a Exclusão do inscrito, basta que a última pena de suspensão esteja dentro
do período de 05 anos, não importando quando o advogado sofreu a primeira e
segunda pena de suspensão.
2.16.
A Constituição Federal
dispõe em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea b, o seguinte:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVII - não haverá penas:
(...)
b) de caráter perpétuo; (grifo nosso)
2.17.
A Lei Maior do Estado
Democrático de Direito (Constituição Federal) impõe a todos que não
haverá pena de caráter perpétuo, ou seja, dentro dos limites da Nação
Brasileira ninguém poderá sofrer pena de caráter perpétuo.
2.18.
A regra de nosso
ordenamento jurídico é a prescritibilidade, seja qual foi a regra
violada pelo indivíduo seja penal ou administrativo, a todos os violadores
recai o direito de recuperação, o direito de ser esquecido pelos erros do
passado. Até porque, o caminho na vida de todas as pessoas é conturbado, com
altos e baixos, pois nenhum ser humano nasce sabendo tudo – sendo no plano
terrestre o momento para aprender e aperfeiçoar os acertos.
2.19.
Assim sendo, a todos da
sociedade recai essa função, trilhar o caminho em busca da perfeição,
enfrentando os momentos de dificuldade e errando quando necessário, pois, OS
ERROS SÃO INTRÍNSECOS AO SER HUMANO, NÃO PODENDO QUEM ERROU SER RECORDADO A
TODO O MOMENTO POR ERROS DO PASSADO, SOB PENA DE VIVERMOS UM CAMINHO MUITO
ÁRDUO, UM CAMINHO SOLITÁRIO.
2.20.
Neste contexto, o Supremo
Tribunal Federal tem entendido pela aplicação DO DIREITO AO ESQUECIMENTO,
ou seja, o perdão para aqueles que erraram no passado, conforme julgado do
Ilustre Ministro Gilmar Mendes, o qual pede-se venia para transcrever com
grifos:
1.Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes.
Condenação. 3. Aumento da pena-base. Não aplicação da causa de diminuição do §
4º do art. 33, da Lei 11.343/06.
4. Período depurador de 5 anos estabelecido
pelo art. 64, I, do CP. Maus antecedentes não caracterizados. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção
da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a
interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação
do princípio da razoabilidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana.
5. Direito ao esquecimento. 6. Fixação do regime prisional inicial
fechado com base na vedação da Lei 8.072/90. Inconstitucionalidade. 7. Ordem
concedida. (HC 126315, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma,
julgado em 15/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-246 DIVULG 04-12-2015 PUBLIC
07-12-2015)
2.21.
Importante transcrever
pontos elementares no voto proferido pelo ilustre ministro:
Extrai-se da leitura do dispositivo
transcrito que o período depurador de
cinco anos tem aptidão de nulificar a reincidência, de forma que não possa mais
influenciar no quantum de pena do réu e em nenhum de seus desdobramentos.
Com efeito, é assente que a ratio
legis consiste em apagar da vida do indivíduo os erros do passado, considerando
que já houve o devido cumprimento da punição, sendo inadmissível que se atribua à
condenação o status de perpetuidade, sob pena de violação aos princípios
constitucionais e legais, sobretudo o da ressocialização da pena.(...) CONTINUA
NO VOTO
Ora, a possibilidade de sopesarem-se
negativamente antecedentes criminais, sem qualquer limitação temporal ad aeternum, em verdade,
é pena de caráter perpétuo mal revestida de legalidade.
(...)
É que, em verdade, assiste ao indivíduo o
“direito ao esquecimento”, ou “direito de ser deixado em paz”, alcunhado, no
direito norte-americano de “the right
to be let
alone”.
2.22.
Nesse mesmo sentido, há
igual posicionamento do Ministro Dias Toffolli no HC 119200
SE argumentando o seguinte:
O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado,
pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi
imposta....
Faz ele jus ao denominado ‘direito ao esquecimento’, não podendo
perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já
regularmente extinta.
2.23.
Logo, é ilegal que o
advogado sofra uma reprimenda muito maior (exclusão) utilizando-se como base
penas já cumpridas (suspensões), violando-se assim a garantia constitucional e
aplicando penas de caráter perpétuo – situação que viola o princípio da
prescritibilidade. Nas palavras do
Ministro Luis Roberto Barroso - se o
princípio é a prescritibilidade, é a imprescritibilidade que depende de norma
expressa, e não o inverso[3].
2.24.
Nesse sentido, cita-se
parte do voto do Ministro Fachin no RE 600851: (não grifado no original)
(...)
A prescrição, nesse sentido, é instituto que
milita em favor da estabilização das relações sociais e, de certa maneira, em
uma dimensão específica do princípio da segurança jurídica, apresenta-se como
estruturante do Estado de Direito.
Como diria Ost, em seu
Tempo do Direito, ao citar Kafka, um Estado e um
Tribunal que não esquecem nada mostram-se arbitrários (OST, François.
O Tempo do Direito. Bauru: Edusc, 2005, p. 153). Bem
por isso, a regra geral no
ordenamento jurídico é de que as pretensões devem ser exercidas dentro de um
marco temporal limitado.
2.25. Também assim, ao tratar
das exceções da imprescritibilidade, o referido ministro assim se posiciona:
Assim, com exceção das hipóteses
expressamente autorizadas pela Constituição Federal, o legislador ordinário não pode criar outros tipos penais
imprescritíveis. Isso porque, o
Constituinte originário foi taxativo
em excluir da regra de prescritibilidade penal – existente no ordenamento jurídico
brasileiro pelo menos deste de 1890 – somente os crimes por ele listados.
Em outros termos, a Constituição não garante
ao Estado o direito de punir o indivíduo ou de executar uma pena ad
aeternum. Nessa medida, não houve autorização, nem delegação do
constituinte originário para a legislador
ordinário criar outras hipóteses de imprescritibilidade ou tendentes à
imprescritibilidade. Isso porque a ausência de prazo previamente delimitado
para o exercício do poder de punir implica restrições a direitos fundamentais
assegurados ao indivíduo, como se verá a seguir.
2.26.
Ou seja, ainda que
houvesse expressa previsão legal no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
para impor imprescritibilidade e perpetuidade das penas de suspensão, tal
conduta seria inconstitucional, haja vista que não houve essa delegação
do constituinte para o legislador ordinário.
2.27.
Em decisão recente do STJ
no HC 547465/ RJ - 2019/0351693-6 (Setembro de 2020), houve a interpretação de
que quando os fatos são pretéritos, os maus antecedentes podem sofrer
relativização, em decorrência do direito ao esquecimento:
JULGADO RECENTE DO
STJ
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ROUBO.
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. MAUS ANTECEDENTES. CONDENAÇÃO QUE NÃO MAIS CONFIGURA
REINCIDÊNCIA. UTILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE, SALVO EXCEPCIONAIS PECULIARIDADES DO
CASO CONCRETO. CONDENAÇÃO PRETÉRITA REFERENTE A FATO COMETIDO HÁ MAIS DE 11
(ONZE) ANOS ANTES DA DATA DO CRIME EM JULGAMENTO. APLICAÇÃO DA TEORIA DO
DIREITO AO ESQUECIMENTO QUE SE MOSTRA ADEQUADA. PENA-BASE. MÍNIMO LEGAL. ORDEM
DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.
1. É certo que nesta Corte Superior de
Justiça é pacífica a jurisprudência de que as condenações anteriores
transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo depurador de 05 (cinco) anos
previsto no art. 64, inciso I, do Código Penal, embora afastem os efeitos da
reincidência, não impedem a configuração de maus antecedentes.
2. Contudo, há julgados no sentido de que os
maus antecedentes, quando os registros forem
muito antigos, podem sofrer relativização, admitindo-se o afastamento de sua
análise desfavorável, em aplicação à teoria do direito ao esquecimento (REsp 1.707.948/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, DJe 16/04/2018). 3. No caso, o Paciente – condenado pelo
crime de roubo praticado em 09/02/2017 – possui uma condenação anterior pelos
delitos previstos nos arts. 10, caput, da Lei n.
9.437/1997 e 180, caput, do Código Penal, em concurso material, com trânsito em
julgado em 02/06/2005. 4. É certo que o Supremo Tribunal Federal, em sessão de
julgamento realizada em 18/08/2020 e quando da análise do RE n. 593.818/SC, sob
o rito de repercussão geral, cujo acórdão ainda está pendente de publicação,
firmou a Tese n. 150 – "Não se aplica para o reconhecimento dos maus
antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art.
64, I, do Código Penal" –, o que, contudo, não afasta a possibilidade do decote
da avaliação negativa dos antecedentes, em razão das peculiaridades do caso
concreto, especialmente o extenso lapso temporal transcorrido.
5. Além disso, o
art. 5.º, inciso XLVII, alínea b, da Constituição da República estabelece a
vedação de penas de caráter perpétuo, o que inviabiliza a valoração negativa
dos antecedentes criminais sem qualquer limitação temporal. 6. Ordem de habeas corpus concedida para excluir a
negativação da vetorial antecedentes e, por conseguinte, reduzir a pena
definitiva do Paciente para 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial
aberto, com as condições a serem especificadas pelo Juízo das Execuções, além
do pagamento de 10 (dez) dias-multa. HC 547465/ RJ - 2019/0351693-6
- Setembro de 2020
2.28.
Ad argumentandum tantum, é necessário distinguir o instituto da reincidência e
maus antecedentes na via penal com a analogia que se faz ao processo de
Exclusão. Os maus antecedentes não concretizam um tipo penal, isto é,
ninguém é punido por possuir maus antecedentes.
2.29.
O que ocorre é que em
eventual nova prática delituosa, o réu terá sua vida pregressa observada pelo
juízo para a fixação da pena base, logo, os maus antecedentes levam a um
agravante de pena, mas não configuram uma pena em concreto ou o delito
propriamente dito.
2.30.
Logo, em interpretação extensiva, os
maus antecedentes do advogado (aquele que sofre pena de suspensão)
poderiam ser utilizados para agravar a pena de uma nova infração disciplinar se
ultrapassado o período de 05 anos da data da aplicação da pena de suspensão.
2.31.
É de se deixar claro, que
se o advogado sofreu três sanções disciplinares (penas de suspensão) dentro do
período de 05 anos, não há dúvida de que reprimenda de exclusão possui
embasamento legal – pois, os fatos têm
correlação com o instituto da reincidência.
2.32.
Nesse
vértice, importante trazer outro ponto importante, também com escopo na
analogia. É que um advogado geral da união (AGU) se submete ao Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil (Lei. 8.906/94 - EOAB) e ao Estatuto dos
Servidores Federais (Lei 8.1121/90).
2.33.
Ocorre que no Estatuto da OAB há omissão quanto ao lapso
temporal da reincidência, ao passo que no citado Estatuto dos Servidores há
expressa regra em relação à prescrição das sanções disciplinares naquele
âmbito, nos moldes do artigo 131 da lei 8.112/90:
Art. 131. As
penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros cancelados, após
o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício,
respectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova
infração disciplinar.
2.34.
Ora! Na eventualidade de
um Advogado Geral da União sofrer 3 três sanções disciplinares em períodos
distintos e superiores a 5 (cinco) anos, perante o seu órgão de classe (OAB)
sofrerá a Exclusão, entretanto, perante o serviço público terá os
registros das penalidades cancelados (baixados).
2.35.
Não é possível admitir,
portanto, que a omissão do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil se oponha
às demais legislações e principalmente às garantias constitucionais.
2.36.
Não há lei que possa ser
superior às disposições constitucionais, e o fato do advogado ser operador do direito não lhe impõe punição
maior sob a equivocada justificativa de que não pode errar. Pelo
contrário, não pode uma lei específica punir de forma diferenciada e não
observar preceitos legais e constitucionais.
2.37.
E como último argumento a
ser observado, conforme entendimento do STF, a Ordem dos Advogados do Brasil é
considerada como uma autarquia sui generis, igualada como pessoa
jurídica de direito público, e portanto, deve se submeter aos regramentos das
autarquias federais.
2.38.
Nesse sentido, citam-se
trechos do RE 647.885/RS julgado no STF, o qual entendeu inconstitucional a
suspensão dos advogados por ausência de pagamento da anuidade:
Segundo
o STF, a natureza jurídica de autarquia é conferida aos conselhos de
fiscalização pela impossibilidade de delegação, a uma entidade privada, de
atividade típica do Estado, que abrange poder de polícia, de tributar e até
mesmo de punir no que tange ao exercício de atividades profissionais. Além
disso, os conselhos são criados por lei, tem personalidade jurídica de direito
público, autonomia financeira, funcional e administrativa, características
típicas desse braço da administração pública.
Também
nesse julgamento houve divergências, nada obstante prevalece no Supremo
Tribunal Federal, portanto, o entendimento segundo o qual os conselhos de
fiscalização, por exercerem atividade típica de Estado, não delegável a um ente
privado, são pessoas jurídicas de direito público e, dadas algumas de suas
características, a essas pessoas se aplica o regime jurídico das autarquias
federais.” (grifos no original)
2.39.
Nesse sentido, é
necessário reconhecer que se o STF alçou a OAB como pessoa jurídica de direito
público que se submete aos regramentos das autarquias federais – é certo
dizer que esse digno Conselho Profissional está submetido aos prazos
prescricionais da lei 9.873/99 que “estabelece prazo de prescrição
para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e
indireta, e dá outras providências”. Cita-se o artigo 1º da referida lei:
Art. 1º
- Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal,
direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar
infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso
de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
2.40.
Assim sendo, como a OAB
em decisão do STF é obrigada a cumprir as regras da Autarquia Federal, deve
submeter-se, portanto, ao prazo prescricional para exercer sua ação punitiva,
logo, o período de 05 anos para apurar infrações deve ser respeitado.
2.41.
Dessa forma, é de fácil
conclusão que é vedado à OAB utilizar-se de condutas pretéritas, já abarcadas
pela prescrição para exercer seu poder de polícia punitivo.
III.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
3.1. A todos os cidadãos brasileiros incidem os direitos
garantistas presentes na Constituição Federal, especialmente em seu artigo 5º -
Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos
termos seguintes (...)
3.2. Ao profissional advogado não há nenhuma diferença com
qualquer outro cidadão e outros profissionais, porquanto, ao advogado também é
inerente seu direito a igualdade, segurança jurídica e demais preceitos
constitucionais.
3.3. Se ao criminoso mais reprovável pela sociedade incide seu
direito ao esquecimento, pois reconhecido o período depurador presente no
artigo 64 do CP, ao advogado também deve incidir o direito ao esquecimento
pelos seus erros sem que haja eterna punição.
3.4. Por fim, ressalta-se que a profissão do advogado é a
única alçada como indispensável na Sociedade, nos moldes do artigo 133 da CF, e
portanto, não pode sofrer qualquer violação Constitucional, sendo que a interpretação
majoritária das 03 suspensões sem observância do tempo para a Exclusão é
notoriamente uma regra criada e não prevista, devendo prevalecer a garantia
constitucional que veda penas de caráter perpétuo, bem como, a aplicação das
normas análogas que estabelecem um prazo prescricional para se apurar as
condutas reprováveis.
ALEXANDRE TABORDA RIBAS
OAB/PR – 70.253